Companhias intensificam renegociação com credores em 2024

Companhias intensificam renegociação com credores em 2024

O caso mais recente foi o da Gol, que ingressou com recuperação judicial nos Estados Unidos, com dívidas de R$ 20,3 bilhões reportadas no fim do quarto trimestre. Na pandemia, a demanda por aviões estava perto de zero, o que facilitou a reestruturação da rival Latam, que entrou com pedido de proteção contra credores naquele período.

Na petroquímica Unigel, credores, controladores e detentores de dívidas (“bondhholders”) estão em intensas negociações para evitar pedido de proteção aos credores, processo que se arrasta há meses. A Inter Cement também renegocia com credores e colocou ativos à venda no Brasil e Argentina para ajustar seu balanço.

Segundo especialistas consultados pelo Valor, essa tendência deverá atingir empresas que ainda estão com o custo da dívida sufocando a geração de caixa, algo que não será amenizado com a queda dos juros ao longo de 2024. Muitas empresas estão ainda com vencimentos importantes neste ano e em 2025, e boa parte enfrenta dificuldade de mudar o perfil do endividamento e alongar os prazos. Existe uma visão de que o setor do varejo, ainda estrangulado, também seguirá com processos de reestruturação de seus balanços.

Importantes varejistas, como Casas Bahia (ex-Via), estão buscando alternativas para reduzir endividamento. O Magazine Luiza anunciou aumento de capital de R$ 1,25 bilhão, com suporte da família Trajano e BTG Pactual, para endereçar o problema. No mercado, analistas projetam que a operação pode ajudar a reduzir a alavancagem do grupo.

Para o sócio da gestora Farallon, Antenor Camargo, foi observado no segundo semestre do ano passado uma melhoria de humor do empresariado brasileiro principalmente após o início do ciclo de corte de juros. “A percepção de ‘luz no fim do túnel’ melhorou o cenário de crédito de um ano que começou muito difícil [com a crise da Americanas]. O início de 2024 deixa claro que a direção e intensidade da queda de juros foi importante, mas não suficiente para reverter a pressão financeira das companhias - principalmente para aquelas que não equalizaram seus passivos em 2022 e 2023”

De acordo com Camargo, o custo financeiro médio no pós-covid ainda está excessivo e trará consequências nesse ano. “Uma retomada na atividade do mercado de ‘equities’ [ações] em 2024 pode suavizar o quadro.”

Luciano Lindemann, da consultoria FTI, conta que o ano começou agitado para as empresas que buscam estruturações financeiras. Segundo o executivo, no entanto, nem todos os casos são rumo a uma recuperação judicial, mas de negociação bilateral com credores. “Todo o período de juros alto achatou a estrutura de capital das empresas”, afirma.

Lindemann aponta que muitas empresas seguraram os processos à espera da abertura mais firme do mercado de capitais e algumas conseguiram acessar recursos com aumentos de capital via ofertas subsequentes (“follow-ons”), por exemplo, mas que o mercado ainda não está aberto para todas as companhias. “Muitas empresas têm vencimentos em 2024 e 2025 e não podem esperar mais”, afirma o executivo.

Diante desse cenário, a administradora de recuperação judicial, EXM Partners, enxerga mais um ano de pedidos de proteção contra dos credores, depois do recorde de 2023. A projeção é de que o número de processos de recuperação judicial suba 10% neste ano ante o ano anterior.

O sócio da EXM Partners, Eduardo Scarpellini, afirma que a expectativa está ancorada na leitura de que há processos de recuperações judiciais represados no período de pandemia e que agora devem se desenrolar. “Na pandemia, os bancos foram mandatados para pedalarem operações e houve a injeção de recursos nesse período. E os vencimentos começaram agora”, diz. O setor do agronegócio deverá observar um aumento do número de casos, diante das secas e alta de custos, em parte como reflexo do aumento dos preços dos fertilizantes por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia.

 

Para Pedro Sternick, sócio da Latache Capital, passado o período mais agudo ao longo deste ano, haverá estabilidade do número de processos de reestruturação, algo que virá naturalmente com a continuidade da queda das taxas de juros da economia. “O filme está melhor do que no ano passado, mas a foto ainda não está boa.” Para Bruno Baratta, responsável pela operação brasileira do banco Houlihan Lokey, a leitura também é de melhora de cenário, decorrente da maior liquidez do mercado em relação ao ano passado. Por isso, segundo ele, o ambiente se desenha para menos recuperações judiciais de emergência - ou seja, as que ocorrem diante da ausência de caixa. “A liquidez de forma geral voltou. Há soluções de mercados de capitais”, diz, destacando a retomada de emissões. Baratta aponta também a melhora na economia e perspectiva de queda na taxa de juros, embora o mercado ainda tenha dúvidas em quão rápido e quão profundo o corte vai ser.

Em nota, o grupo Casas Bahia informa que seu objetivo é trabalhar seu plano de transformação, apresentado em agosto passado, que mira pontos como redução de estoques antigos que contribuem para melhoria do capital de giro e fechamento de lojas com margem de contribuição negativa. O grupo destaca ainda sua oferta de ações recente e indica que mudanças no perfil de dívida, seja em prazo, custo e diversificação, são trabalhos recorrentes das empresas. “Quanto à recuperação judicial, é importante esclarecer que a empresa descarta essa possibilidade. As dívidas de curto prazo estão concentradas em poucas instituições e a empresa tem livre acesso para conversar diretamente com elas.”

Em nota, Vanessa Rossini, diretora de relações institucionais do Magalu, afirma que os R$ 1,25 bilhão da operação de aumento de capital dará fôlego para investimento ao grupo. “Vamos usar esse dinheiro, sobretudo, para acelerar os investimentos em tecnologia.” Rossini diz que a rede não tem necessidade de renegociar ou reestruturar sua dívida. “Com relação aos vencimentos de dívida do curto prazo, já efetuamos o pagamento de R$ 1 bilhão em janeiro. E, ao longo do ano, planejamos reduzir o endividamento em R$ 3 bilhões no total (pagando também a dívida de R$ 2 bilhões com vencimento em abril de 2024) - mantendo uma sólida posição de caixa.”

Já a Gol disse que seu objetivo com a recuperação judicial nos EUA é reestruturar suas obrigações financeiras de curto prazo e fortalecer sua estrutura de capital para sustentabilidade no longo prazo. “Estamos confiantes de que, por meio desse processo, poderemos expandir ainda mais nossa posição como uma das principais companhias aéreas da América Latina”.

A Unigel disse que não iria se manifestar sobre o tema. InterCement não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

Matéria publicada no Valor Econômico do dia 19 de fevereiro de 2024

Fonte: Valor Econômico

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